quinta-feira, 13 de março de 2014

Aprender a ser fraco

"(...)“Este monge idoso
também deve pertencer ao templo Ozoin,” pensou Musashi. Quis dirigir-lhe
algumas palavras amáveis, mas foi contido pela profunda concentração do monge,
totalmente dedicado a cuidar da horta. Prosseguiu portanto em silêncio, passando
rente a ele. De súbito, Musashi sentiu, com um agudo sobressalto, que as pupilas do velho monge curvado sobre a foice acompanhavam fixamente pelo canto dos
olhos o movimento de seus pés. Uma sensação aterradora e indefinível, sem
forma ou voz — algo que não parecia provir de um corpo ou espírito humano, mais
lembrando um raio prestes a romper as nuvens — percorreu instantaneamente
todo o seu corpo.
Alarmado, imobilizou-se por uma fração de segundo e, no instante seguinte,
tomou consciência de si próprio voltando-se para observar o pacífico vulto do idoso
monge de uma distância de quase quatro metros. Seu coração batia acelerado,
como se tivesse acabado de se desviar de um rápido golpe de lança com uma
larga passada. A posição do velho não se modificara: agora de costas para
Musashi, continuava curvado sobre a terra, o ruído metálico do metal contra a
pedra cortando pausadamente o silêncio. (...)"

(...)— Louvo sua atitude. No entanto, meu jovem, você é muito forte, direi até
forte demais.
Tomando as palavras do ancião como um elogio, Musashi sentiu o rosto
abrasar-se e disse com modéstia:
— Pelo contrário, tenho certeza de que sou ainda imaturo, tendo muito a
aprender.
— Concordo; eis porque tenha talvez de aprender a conter um pouco a sua
força. Terá de aprender a ser um pouco mais fraco.
— Como disse? — perguntou Musashi, admirando-se com a inesperada
observação.
— Lembra-se de haver passado ao meu lado, há pouco, enquanto eu
revolvia a terra da horta? — perguntou o velho monge.
— Sim.
— No momento em que passou por mim, você deu um prodigioso salto de
três metros de altura e aterrissou mais à frente.
— É possível.
— Por que agiu de maneira tão estranha?
— Porque senti que a foice que manejava poderia a qualquer momento
desviar-se e atingir meus pés. E também porque, curvado como estava, seu olhar
parecia percorrer agudamente meu corpo inteiro, procurando com força letal uma
brecha por onde me atacar.
O idoso monge riu com franqueza:
— Mas foi exatamente o contrário — salientou, divertido. — Quando você se
aproximou a uma distância de quase 20 metros, senti essa força letal a que se
referiu atingindo como um raio a ponta da minha foicinha. Seus passos estão
carregados de ímpeto combativo, meu jovem, de um violento impulso de
dominação. Em resposta, armei-me intimamente, como seria de se esperar. Se um
simples lavrador tivesse passado por mim naquele instante, haveria ali um velho
curvado sobre a foice dedicando-se ao cultivo de suas hortaliças, e nada mais. A
atmosfera mortífera que diz ter sentido não passou de um reflexo de sua própria
energia. Isto significa que você saltou três metros, assustado com o próprio reflexo,
meu jovem — concluiu o velho monge, rindo ainda. (...)


- Musashi, Vol.1

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